quinta-feira, 25 de março de 2010

Existe um ser que mora dentro de mim...


Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem - pois nunca morou em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela – apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão.

Seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez”.

(Clarice Lispector)



Fonte:
Clarice Lispector in Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres

2 comentários:

  1. Magnífico, magnífico! sem explicação possível... beijo no seu core, lovya

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  2. Dani,

    Não há como explicar Clarice! Quanto mais eu leio, mais quero ler... digamos que suas obras são "devorantes".

    Super bjo e saudadona de ti:)

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