domingo, 17 de janeiro de 2010

AVATAR – o filme e seu simbolismo...


Muitas pessoas que já assistiram ao filme, ou que ainda não assistiram tem acompanhado as várias sinopses ou críticas sobre o filme via Internet, algumas bem favoráveis, outras nem tanto. Como gostei muito do filme, e recomendo a todos assistirem, achei interessante também escrever uma resenha sobre ele (...).

Falar sobre as imagens de Avatar é pouco, falar da tecnologia utilizada também, porque Avatar além de ser um deslumbre visual, é ainda mais, é ainda além do próprio visual, este que já é fantástico por si só.

James Cameron ao conceber o filme totalmente inovador, utilizou elementos arquetípicos pra deixar uma mensagem bem atual penetrar no consciente das pessoas. Além da mensagem espiritual, há um forte apelo ecológico que nos faz repensar nossas atitudes como humanos que somos.

Há muitas resenhas sobre Avatar na net, a maioria falando do aspecto 3D do filme e de toda a tecnologia usada; sim uma inovação que proporciona uma experiência única, onde 60% do filme foi feito em computação gráfica, portanto, vou comentar somente o aspecto mítico, simbólico e arquetípico, pois é esse que junto com o rico visual, mexe com a gente, e faz a gente sair de lá com a sensação de quase uma experiência mística.


E claro, é uma experiência visual onde a imagem e a tecnologia em 3D, dão vida a cada detalhe, e Cameron torna Pandora real; lá tudo é real aos olhos, desde o povo Na’vi, a fauna e a flora, tudo é um espetáculo de vida e beleza.

Sim, há muitos paralelos entre outros filmes como Matrix, Senhor dos Anéis, Star Wars, Dança com Lobos, o Último Samurai, etc.; porque Cameron conta a jornada do herói, mas o diretor narra de uma maneira totalmente inovada, como o rejuvenescimento do arquétipo, e com certeza o arquétipo renovado desperta algo dentro da gente.

Avatar conta a trajetória de Jake Sully, um soldado da marinha que aceita o desafio de ocupar o lugar de seu irmão gêmeo (morto), no programa Avatar. O Ano é 2154 e se passa numa lua que se chama Pandora, que orbita o planeta Polyphemus (ficção) no sistema de Alpha Centauri; detalhe, ele é paraplégico. Em Pandora os humanos estabeleceram pequena base militar e científica com o intento de obter um valioso minério Unobtanium, rica fonte de energia. Como Pandora é um mundo com atmosfera imprópria para os humanos, foi criado corpos chamados Avatares, mistura de DNA humano com DNA dos nativos Na’vis, com o objetivo de, por um lado, amistosamente retirar os nativos de sua área, ou, por outro lado, se misturar e aprender os costumes dos nativos e verificar seu ponto fraco, visto que o território dos nativos se localiza acima da maior reserva do mineral precioso.

Até aqui, tudo isso pode ser encontrado nas várias sinopses sobre o filme na net; e a partir deste ponto, contém muitos spoilers (totalmente), portanto, melhor assistir ao filme primeiro, pois recomendo a leitura somente a quem assistiu e quer verificar sua simbologia.


Já no inicio do filme, Avatar mostra a que veio e conta a história da transcendência da consciência; do processo iniciático ou de individuação do masculino. Desde quando Jake desperta da hibernação e fala do sonho, e sobre a liberdade de voar, e diz; “mas sempre temos que despertar (acordar) para a realidade”. Avatar fala do limitado estado de consciência num corpo humano ao aprendizado de ampliar os limites num novo estado de ser, num novo corpo, corpo este apropriado para a nova experiência. A imagem de viagem para terras desconhecidas é um símbolo do processo de individuação, portanto é aqui que Jake inicia seu processo.

Além disso, James Cameron utilizou toda a simbologia do arquétipo da Grande Mãe, como natureza pura, geradora e provedora da vida.

“Você é Jake Sully? Queria te falar sobre começar uma vida nova num mundo novo. Onde você faria diferença.” – esta fala é do começo do filme, e pode ser vista no trailer oficial do filme.

Jake era irmão gêmeo de um cientista, este sim fazia parte do projeto Avatar, mas morto, Jake foi convidado a tomar o seu lugar. Os gêmeos simbolizam a dualidade e se constituem por vezes numa imagem análoga a encruzilhada, normalmente na mitologia eles encontram-se como uma representação do arquétipo da sombra, onde um sempre possui as características que faltam ao outro. E no caso de Jake, por seu irmão já estar morto, bem como por todo o processo de Jake ser paraplégico e ainda ir realizar a parte de seu irmão, se deduz que ele já ultrapassou esta encruzilhada do confronto com sua sombra pessoal. Pois, aleijado ou aleijão nos mitos era visto como sendo um ser de sabedoria cetônica e sua deformidade aparecia como sinal de iniciação. A sua imagem encontra-se vinculada a dos heróis e a das pessoas que possuem um destino incomum, a exemplo dos cabiros, os filhos de Hefesto. Essa característica parece ser o resultado de uma necessidade de sobrepujar a deformidade física. Os ferreiros, assim como os carpinteiros nos mitos, quase sempre aparecem retratados na imagem de aleijões.


Como vimos o minério, ou pedra muito valiosa, que os seres humanos estão atrás, Unobtanium, é como uma substância que representa o espírito ou a matéria espiritual em forma concreta. A Pedra na simbologia alquímica como representação da Pedra Filosofal, é um símbolo do centro e da totalidade da psique, que surge como prima-matéria, o início, para posteriormente transformar-se no Lápis, o fim da Obra que tal como o Cristo é tanto o Alfa como o Ômega. A Pedra por vezes costuma ser denominada de Árvore da Vida, apresentando uma forte relação com o simbolismo da Árvore do Mundo ou da Árvore Cósmica. As pedras preciosas de um modo geral, simbolizavam os valores psicológicos duráveis. E não é nada por acaso que a maior reserva desse mineral está sob uma grande Árvore onde vivem os nativos.

Essa é a busca de todos nós, e assim, Jake é lançado em Pandora, nesse novo mundo, num novo corpo, pra aprender essa nova realidade. Desta forma, ele conhece Neytiri, uma nativa, que irá lhe ensinar os segredos de Pandora. Neytiri é literalmente a anima de Jake, que além de ensinar todos os segredos de Pandora, o conduz como psicopompo através da provas iniciáticas e ao modo de vida dos Na’vi, mundo totalmente novo para Jake. Já no primeiro encontro, Neytiri fala, você faz muito barulho, como uma criança, como uma criança boba e que não tem o controle ou não sabe controlar. Mitologicamente, criança representa o SELF. Simboliza o começo e a plenitude das possibilidades, o SELF em seu status nascendi.

Ele tem que aprender a “Ver Pandora” com os olhos de Neytiri, ou seja, do ponto de vista de Neytiri, com a percepção da anima.

“I See you”; Castaneda fala que pra Don Juan, “ver” é diferente de olhar, porque “ver” encerra um processo muito complexo, em virtude do qual um homem de conhecimento supostamente percebe a essência das coisas do mundo. Pandora nos parece muito com o mundo descrito por Dom Juan a Castaneda, um mundo iluminado, vivo, tudo inspira e expira vida, essência; mas é preciso “aprender a ver”, e essa é a parte mais linda do filme. O olho, ou “ver”, simboliza a tomada de consciência do Self.

Desta forma, Jake vai aprendendo a ver como Neytiri vê Pandora, vai aprendendo a viver em Pandora, ele já não distingui mais entre uma realidade ou outra, está tão envolvido nessa nova vida que quer estar todo o tempo no corpo do Avatar, na realidade de Pandora. Neytiri vai iniciando ele, e assim depois de Jake caçar e matar de forma limpa e rápida como um caçador experiente Na’vi, ela diz: Você está pronto.

Mitologicamente, a caçada possuía uma simbólica de iniciação ligada a Artemis. O animal caçado representa a captura do instinto e do proibido, e o homem sente-se mais homem, quando é capaz de sacrificar sua natureza animal.

“Você está pronto”, e já pode fazer você mesmo seu arco e flecha com a madeira da Árvore Sagrada, diz Neytiri.


A imagem do carpinteiro aponta para o símbolo do criador, aquele que é capaz de criar e moldar através da madeira, que oriunda da árvore, tem uma ligação com o arquétipo da mãe. Ele cria à partir da mãe, sendo portanto, um símbolo do pai gerador. Taré, pai de Abraão foi um bom marceneiro; Tvashtar, pai de Agni, um ferreiro e carpinteiro; Hefesto, o pai de Hermes era carpinteiro, ferreiro e escultor; José, pai de Cristo, carpinteiro; Ciniras, pai de Adônis, carpinteiro. O arco pode ser ainda um símbolo da tensão causada pelos desejos humanos, é considerado ainda um símbolo do destino, também pode estar simbolizando a necessidade de que o ego vígil olhe para dentro de si mesmo como uma seta que aponte para a busca da meta de sua vida. O alvo certamente é interior.

Jake é levado então, a confrontar o Dragão Alado, e o Dragão Alado é um dos símbolos de representação do princípio transcendente. Ele não só luta, bem como conquista e se une/conecta ao seu animal, que lhe proporciona a extrema sensação de liberdade.

Depois disso, tendo ele dominado todos os elementos desse novo mundo, dessa nova maneira de ser, é então levado diante do povo Na’vi. Lá ele é completamente aceito por todo aquele clã Na’vi, numa grande iniciação ritualística, onde ele se torna como um deles, como um Na’vi de fato.


Neytiri o leva então para a Árvore das Almas, o local mais sagrado para eles, Árvore esta que é a mãe de todas as coisas, uma simbólica do arquétipo materno. Divindades femininas frequentemente eram veneradas como árvores, daí por vezes, o culto das árvores e florestas sagradas. Para o primitivo, o mundo em geral é dotado de alma, assim, as árvores e plantas também a possuíam. Na China, é costume se plantar árvores sobre a sepultura para fortalecer a alma do morto. Ela encontra ainda na sua simbologia a ligação com a Grande-Mãe que tanto é a doadora da vida como da morte. Possui ainda um caráter bissexual, uma vez que além de representar a mãe, também é um símbolo do falo. A vida humana, o desenvolvimento e o processo de transformação da consciência às vezes são simbolizadas pela árvore, que tem um significado mítico de guardiã do tesouro. Existem vários mitos descrevendo os homens nascendo da árvore e a presença de uma fenda, já é suficiente para relacioná-la à mãe, pois a fenda equivale ao útero. Os Xamãs enterram seus mortos em troncos e o sepultamento em árvores tem o simbolismo de ser encerrado na mãe para poder “renascer.” Para os maoris, ela tinha uma relação com o próprio destino dos homens sendo que após o nascimento, quando havia a queda do umbigo, os maoris o enterravam num local considerado sagrado e nesse mesmo local era plantada uma árvore que ficava sendo à partir de então, um “tohu oranga”, ou signo da vida para a criança.

Então, embaixo da Árvore das Almas, a mais sagrada de todas, Jake e Neytiri se unem em cópula, o Hieros Gamos, que simboliza o casamento sagrado, a união da deusa com o deus, a conjunctio superior, sendo que é uma imagem arquetípica cuja necessidade psicológica que se encontra simbolizada neste rito é o movimento da psique em direção à totalidade.

A partir de então, ele tem que tomar uma grande decisão, e realizar um grande ato, vai tornar-se o salvador, assumir uma grande causa, não mais pra si mesmo, pois este feito já foi realizado, mas para o coletivo, para todo o povo do qual ele agora adentrou e faz parte, para este novo mundo… e tem de apartar-se definitivamente de tudo o que era antes…

A guerra se instala, de um lado uma parte humana, representando a ganância e conquista a qualquer preço, as máquinas, o sistema de domínio e aprisionamento, etc… e de outro lado todo esse mundo novo, em harmonia e equilíbrio, de liberdade, onde tudo se mostra conectado, a grande rede, como uma grande vida que se estende por trás de todas as coisas.

É claro que a consciência de Jake vai escolher lutar pelo novo e libertador, mas pra conquistar definitivamente esse novo estado de ser terá de cruzar a linha divisória além da vida humana e renascer completamente como Avatar.


Glossário:

- Spoilers: Na mídia significa revelações do enredo de obras como filmes e livros.

- Arquétipo: Na Filosofia -  Modelo ideal, inteligível, do qual se copiou toda a coisa sensível (para o platonismo, as idéias são os arquétipos das coisas; para o empirismo, certas idéias são os arquétipos de outras idéias). Na Psicologia - Na estrutura de Jung, estrutura universal proveniente do inconsciente coletivo que aparece nos mitos, nos contos e em todas as produções imaginárias do indivíduo.

- Sabedoria cetônica - Ceto (mitologia) é uma das divindades marinhas filhas de Pontos, Titã do Mar e de Gaia, a Mãe Terra . O nome Cetus, que significa "monstro", é como os antigos gregos denominavam as baleias, que para eles eram monstros marinhos. Ceto é então a personificação dos horrores e formas estranhas, coloridas e exuberantes que o mar pode produzir e revelar para os homens.

- Anima / Animus: Na Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung, são aspectos inconscientes de um indivíduo, opostos à persona, ou aspecto consciente da Personalidade. O inconsciente do homem encontra expressão como uma personalidade interior feminina: a Anima; No inconsciente da mulher, esse aspecto é expresso como uma personalidade interna masculina: o Animus.

- SELF: Segundo Jung, o principal arquétipo é o Si-mesmo (ou Self). O Si-mesmo é o centro de toda a personalidade. Dele emana todo o potencial energético de que a psique dispõe. É o ordenador dos processos psíquicos. Integra e equilibra todos os aspectos do inconsciente, devendo proporcionar, em situações normais, unidade e estabilidade à personalidade humana.

- Status nascendi: em fase de criação

- Psique: alma



Fonte:
Por adi - http://anoitan.wordpress.com/2009/12/30/avatar-o-filme-e-seu-simbolismo
Apostilas diversas e Dicionário de simbologia.


Um comentário:

  1. Não há muito mais o que escrever sobre o filme. O filme é simplesmente incrível!
    Desde a primeira vez que assisti o filme (pois já assisti três vezes), estou tentando escrever algo... enfim, lendo uma coisa aqui e outra ali, achei a explicação que queria.

    Pois é, o filme no mostra que "nós - humanos", não perdemos somente o contato com a natureza, mas perdemos também o contato com o "outro", e muitas vezes com o nosso próprio "eu".

    A frase "eu vejo você" repetida diversas vezes no filme, nos alerta para esta questão... ver o outro não somente pelo fato de ver... mas ver de uma forma profunda e infinita, que faz com seja possível "sentir" o outro e tudo o que está ao redor...

    Abraços!

    ResponderExcluir